“Do Poder à Política: Parlamento, Democracia e Autonomia para o Século XXI”, foi este o mote de Marcelino de Castro para um ensaio lido em voz alta, no passado dia 4 de dezembro, na cerimónia comemorativa do 43.º Aniversário da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Citando pensadores como Hanna Arendt, Edgar Morin, Michel Foucault ou Virginia Woolf, e percorrendo capítulos vários da História universal, o historiador e professor madeirense proferiu um discurso eloquente sobre a génese do poder e da política, num vigoroso exercício de dissecação filosófica, e até técnico-científica, em torno de conceitos como o humanismo, a cultura, a moral, a coragem ou a liberdade.
Usando de uma narrativa profundamente ensaística, que exigiu uma leitura e escuta demoradas, Marcelino de Castro mereceu o aplauso da audiência, que, no final da sessão, não poupou elogios à “brilhante” dissertação, assim apelidada por muitos dos presentes no Salão Nobre. O orador, que interveio por último num painel composto pelo investigador João Baptista e pelo diretor da Alfândega do Funchal, João Paulo Matias, apontou algumas das principais “falências da nossa época”, entre as quais destacou o facto de não se ter, ainda, conseguido “um equilíbrio entre economia e política”, mas fez questão de vincar o quão fundamental é manter, ou restaurar, a “fé” na “promessa”, invocando a célebre obra de Hannah Arendt “A Promessa da Política”, e explicando, ao mesmo tempo, o valor da Cultura e o papel/missão do ‘homem-culto’ em todas as dimensões e demandas da sociedade ao longo dos tempos. Desde o princípio da História. Desde o princípio do Homem.
Entende Marcelino de Castro que a Cultura, construção primeira sobre a Natureza biológica, é, de entre os pilares fundadores da Humanidade, o principal, começando nela e por ela toda e qualquer criação. Daí, então, o sentido do questionamento que deverá ser pulsante: “De que serve a cultura quando ela não melhora o comportamento e não nos torna melhores? De que serve a política, quando ela não se vê como ministerium ou como Serviço?” A interrogação cumpre o seu desígnio quando o seu eco se planta no fundo de nós, de cada um de nós, e se ramifica não só para dentro, mas para fora, encontrando, nesse caminho, derivações e provocações. E as pedras nesse caminho, o confronto com o ‘mal’ ou a desilusão, não deverão nunca abater a crença nem corromper a tal “promessa”.
“(…) Para isso, a Cultura tem de voltar a constituir, no singular, ‘um alto conceito de valor, um ideal consciente’ (Werner Jaeger); e a política não pode, de forma alguma, deixar de ser uma promessa, para usar a bela expressão de Hannah Arendt. É também por isso que aqui nos encontramos, e aproveito para agradecer, reconhecido, ao Senhor Presidente da Assembleia Legislativa, José Manuel Rodrigues, o convite que me fez para usar da palavra neste momento solene e de gratidão para com a nossa História recente (…) Esta Assembleia, com tudo o que se possa dizer acerca da sua história e das suas práticas parlamentares, mantém intacto (como não podia deixar), até simbolicamente, o ‘múnus de soberania’ e de legitimidade que a fundamenta e a sustém, embora isto não a torne sagrada ou intocável.”, disse.
E deve, sem qualquer dúvida, continuar a ser o coração da nossa democracia (M. Castro, “O Coração da Política”). Ela representa a Communitas no sentido mais amplo.”