‘Presos Políticos do Estado Novo na Madeira’ é um livro do jornalista Élvio Passos, do Diário de Notícias do Funchal, e de João Lizardo, advogado. Ambos analisaram mais de 100 mil documentos.
A obra retrata as atividades da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), na Região, e foi apresentada esta tarde no Salão nobre da Assembleia legislativa da Madeira.
Trata-se de um estudo pioneiro que se iniciou a partir de um trabalho jornalístico, em 2022, quando o profissional da comunicação social pesquisava a história de uma vala comum localizada no antigo Cemitério das Angústias (atual Parque de Santa Catarina) com pessoas mortas durante a Revolta do Leite de 1936.
A curiosidade para saber mais sobre a história dos presos das polícias políticas fez com que os dois autores mergulhassem num manancial de informação, em documentos, e em relatos traumáticos que era preciso dar a conhecer e deixar para memória futura.
O livro é um importante documento histórico para compreender a realidade e as dificuldades porque passaram muitos madeirenses no tempo do Estado Novo, liderado por António Oliveira Salazar. “Na Madeira estão identificados mais de 1800 presos políticos do estado novo”, referiu Élvio Passos, na esperança que este documento seja “um ponto de partida para outros estudos sobre o Estado Novo”, quer na Região, que no país.
Já João Lizardo afirmou que, para além de “conhecer as experiências das vítimas da PIDE”, falta agora saber mais quais “os efeitos dos tratamentos arbitrários da mesma polícia sobre as pessoas normais”.
O livro foi apresentado pelo antigo Procurador – Geral da República, Cunha Rodrigues, que destacou, além dos factos, uma outra faceta do Estado Novo: “a sua duplicidade, dissimulação e tacticismo. A polícia política não foi mais branda na Madeira que noutros lugares. O que soube foi ajustar-se à natureza dos conflitos e desenhar um perfil específico de repressão”.
A obra que contém um conjunto de testemunhos tem o prefácio do Representante da República para a Madeira. Ireneu Barreto desafiou os autores a desenvolverem novos trabalhos sobre “este período conturbado da vida da Região”, e lançou o repto à Academia para que “a época das Revoltas dos anos trinta do século passado sejam estudadas, nas suas causas e nos seus objetivos, nos seus contextos e fundamentos, evitando-se interpretações superficiais e muitas vezes desviantes”, justificou o Juiz Conselheiro.
O Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira começou por referir a importância da obra que “retrata uma época do nossa História na Madeira que desejamos que nunca regresse, mas que nunca podemos esquecer”, felicitando os seus autores “pela qualidade da pesquisa efetuada, pela documentação recolhida e por nos darem a conhecer e às novas gerações o que foi a ação da polícia política do anterior regime e a repressão que efetuou sobre quem ousava escrever, manifestar-se, lutar pelos seus direitos, ou até pensar diferente do chamado estado Novo”.
José Manuel Rodrigues elogiou, ainda, o papel do Diário de Notícias “que, ao longo da sua longa história, tem plasmado os grandes acontecimentos desta terra, sem deixar de abrir as suas páginas ao que se passa no país e no mundo, mas que tem também a preocupação de fixar em livro momentos e realidades marcantes do nosso arquipélago, de que este livro é um excelente exemplo”.
“O vosso trabalho constitui um instrumento precioso para perceber o que foi esse passado sombrio da existência do povo português, mas também das gentes das nossas ilhas, agrilhoadas pelo centralismo que esquecia completamente os direitos mais básicos de sobrevivência dos insulares e que legislava, a partir do Terreiro do Paço ou de São Bento, ignorando a realidade, a vontade e os interesses da maioria e formando monopólios inqualificáveis que conduziam o nosso povo a mais pobreza e miséria e que tinha apena como solução abrir as portas da ilha para que saíssem para outras terras”, disse José Manuel Rodrigues.
Para o Presidente do Parlamento madeirense, o livro “insere-se nessa Cultura de Memória que temos o dever de cultivar, de recordar, de dar a conhecer para que os novos arautos do autoritarismo, de diferentes quadrantes políticos, que pululam pelo Mundo, sejam travados e não usem a Democracia para limitar ou mesmo acabar com o nosso Estado de Direito”.
“Como este livro mostra, a conquista desse Estado de Direito Democrático, levou tanto tempo a conquistar, provocou tantas mortes, originou tantos horrores e sofrimentos, que só podemos estar infinitamente agradecidos a todas as mulheres e homens que lutaram contra a ditadura e que nos abriram as portas à Democracia, com o golpe do 25 de Abril.
Quando assinalamos os 50 anos dessa data memorável, a publicação deste livro é também uma homenagem a todos os que nos deram a Liberdade de hoje estar aqui, neste Parlamento, livremente a dizer o que pensamos, o que sentimos, a defender aquilo em que acreditamos”, concluiu José Manuel Rodrigues.
Já o Secretário Regional do Turismo e Cultura destacou o valor e a importância do livro “Presos Políticos do Estado Novo na Madeira”. “É um período da nossa história que merece ser divulgado para que o mesmo não se repita”.
“A liberdade é um espaço onde a diferença existe, é cultivada, é desejável, e a nossa evolução está dependente dessa mesma diferença”, vincou Eduardo Jesus.
O livro conta com o testemunho de várias. Duas mulheres que relataram na primeira pessoa as marcas e traumas deixados pela PIDE estiveram no lançamento do livro.
Apresentação do Livro Presos Políticos 12ABRIL2024 (áudio)